Os conceitos militares nas organizações

Por Sérgio de Souza Carvalho Jr.

Quando analisamos a questão dos conceitos militares aplicados às organizações, devemos, antes de tudo, olhar para o assunto com uma visão despojada dos vários preconceitos que por ventura possamos ter em relação ao universo militar.

É fato de que as pessoas associam o mundo militar no Brasil com uma série de sentimentos ambíguos, que vão desde a admiração ao herói anônimo, seja um integrante das Forças Armadas ou das polícias Civil e Militar, que luta contra o mal e oferece sua própria vida em prol da sociedade, até aos casos de abuso de autoridade e falta de comprometimento para com a população que deveria proteger.

Como em toda profissão, temos no ambiente militar pessoas que exercem suas funções e, independente da patente, têm suas responsabilidades a seguir. Muitas podem exercer suas tarefas com honra e dedicação, assim como algumas poucas podem fazer o mal uso da sua autoridade.

Não nos cabe aqui fazer qualquer julgamento sobre quem tenha exercido atividades consideradas de repressão indevida, ou até mesmo usado a força clandestinamente sem necessidade, seja de qual pensamento político essas pessoas tivessem se baseado para exercer suas atividades beligerantes no passado.

Mas uma coisa é fato, o ambiente militar propicia a quem nele exerce suas atividades, uma série de normas, regras e condutas que, transferidas para o ambiente corporativo e nele bem aplicadas, podem proporcionar ganhos financeiros elevados para as organizações.

HISTÓRICO DA GESTÃO MILITAR NO MUNDO

Ao analisarmos a evolução humana, vemos que da mesma forma que a sociedade foi se desenvolvendo socialmente e industrialmente, o ambiente militar estava sempre um ou dois passos adiante, pois a ele cabia o papel de proteger as cidades, governantes e países. Uma força poderosa era usada até como elemento de dissuasão para se evitar uma guerra.

O ex-presidente Barak Obama em seu discurso ao ganhar o prêmio Nobel da Paz em 2009, citou uma expressão que lembra muito o provérbio latino “Si vis pacem, para bellum” do autor Latino do quarto ou quinto século Publius Flavius Vegetius Renatus, que pode ser traduzido como: “se quer paz, prepare-se para a guerra”. Obama disse que “instrumentos da guerra” são necessários para atingir a paz.

E não é por acaso que Obama citou essa frase, uma vez que os EUA são a maior potência militar do mundo e, coincidentemente, também possui as maiores empresas multinacionais que dominam vários mercados, muitas delas dirigidas por ex-militares.

Trabalho em equipe e motivação são muito importantes no ambiente militar.

Dentro desse conceito da gestão militar nas organizações, nada mais natural que a evolução dos conhecimentos bélicos, desenvolvidos para ampliar o poder de combate dos exércitos, também possa ser usado para as organizações aumentarem sua produtividade e ampliar seus resultados.

A Segunda Guerra Mundial foi o maior conflito que a sociedade moderna viveu, e paradoxalmente foi quando mais a ciência, a medicina, a logística, a eletrônica, o planejamento e procedimentos para a execução de ações complexas, a seleção e recrutamento de pessoas assim como seu treinamento, o trabalho em equipe e como atuar sob pressão em “mercados” tomados pelo inimigo, evoluíram de forma exponencial em tão pouco tempo, levando-se em conta que a Segunda Guerra durou praticamente 6 anos (de setembro 1939 à agosto de 1945), sendo que até o Brasil também foi muito beneficiado por ter participado junto aos Aliados.

Após esse conflito de dimensões mundiais, em que inclusive houve um grande empoderamento das mulheres nas empresas norte-americanas e inglesas, com um aumento considerável da mão-de-obra feminina nas fábricas de armamentos e em outras atividades profissionais que elas pudessem exercer (justamente para cobrir a falta dos homens que estavam lutando nos 2 fronts de batalha do Pacífico e da Europa), temos o retorno dos soldados que trazem um amplo know-how de processos, pensamento estratégico, treinamentos, entre outros assuntos.

APLICAÇÃO DOS CONCEITOS MILITARES NAS ORGANIZAÇÕES

Assim, quando falamos em aplicar os conhecimentos, conceitos e processos militares nas organizações brasileiras, estamos na verdade muitas vezes resgatando métodos de administração e gestão que deveriam ser seguidos normalmente, mas que em nosso país acabaram por ser perder com o passar do tempo e a alta rotatividade nas empresas.

No Brasil é muito comum, infelizmente, que as organizações não tenham seus procedimentos bem planejados, mapeados e documentados, de forma que na grande maioria dos casos quem desenvolve uma atividade cria seus próprios processos, e ao haver uma mudança de posição desse profissional, seja por conta de uma promoção ou o pior uma demissão, onde o profissional sai da empresa levando com ele os processos de execução das tarefas sem que a empresa tenha tempo de repor essa baixa e treinar um sucessor com a qualidade mínima necessária para exercer a função.

E quanto mais há esse turn over, maior o risco das empresas perderem os processos e consequentemente terem prejuízos pela falta de execução adequada, controle e gestão dos processos.

No raciocínio militar, cada soldado é treinado adequadamente para as tarefas que deverá executar, e para isso há procedimentos de treinamento e qualificação que são padronizados e manualizados, de forma que um soldado que passa por um treinamento especifico em um quartel no Nordeste, caso seja transferido para uma unidade no Sul, possa exercer suas funções sem maiores dificuldades.

A mulher também tem papel de destaque nas Forças Armadas.

Claro que existem exceções no mundo corporativo, e o Brasil, ao mesmo tempo em que tem sérios problemas nesse sentido para fazer a formação de mão de obra adequadamente, também busca formar seus profissionais com instituições sérias e bem organizadas como o SESI, SESC, SENAI e apoio ao pequeno empresário via SEBRAE por exemplo.

Um mundo ambíguo a essa situação é o franchising brasileiro, que na teoria as franqueadoras deveriam fornecer aos seus franqueados e colaboradores uma qualificação de qualidade, pois esse deveria ser o cerne de se adquirir uma franquia, mas muitas vezes na prática não fornecem nenhum manual nem suporte para a execução das tarefas básicas a serem executadas.

Mais do que outros segmentos de mercado, o mundo do varejo (e principalmente do franchising), precisa dos conceitos da doutrina militar para obter sucesso, uma vez que ele está intimamente ligado aos meios militares tais como: conquista e manutenção de territórios, problemas de logística, planejamento de ações de marketing de guerrilha, gestão de recursos e processos, captação e treinamento de pessoas, entre outros.

Em mais de 30 anos da minha experiência profissional, sendo que 20 anos atuando em redes de varejo e franchising, poucas vezes vi redes que possuíam uma cultura organizacional baseada nos preceitos militares, o que em muitas ocasiões gerou prejuízos por retrabalhos, perda de territórios e faturamento, e até ameaças reais do fim da marca por falta de organização interna das franqueadoras.

Esse paradoxo, em que de um lado há a necessidade de se ter processos bem definidos, que estabeleçam normas e procedimentos ao mesmo tempo em que as empresas negligenciam esse fator, muitas vezes também é fruto de uma visão míope administrativa do alto escalão, que negligencia um dos principais benefícios da cultura militar: o planejamento.

Praticamente todas as ações de combate que são desenvolvidas por uma tropa, passam antes por um processo de planejamento prévio, justamente para se determinar o objetivo primário e secundário, quais são os meios para se atingir esses objetivos, quais os recursos necessários e como deverão ser realizadas essas ações.

Cabe então ao alto comando ter a capacidade de executar esse planejamento de forma precisa, para que sua execução seja a mais efetiva, sem baixas, e rápida possível.

Imagine o que foi planejar todo a logística do Dia “D” na Segunda Guerra, quando milhares de soldados aliados tiveram que sair da costa inglesa em barcos, navegar secretamente pelo Canal da Mancha, e avançar pelas praias da Normandia na França sob o fogo cerrado das defesas alemãs, de forma a instituir uma cabeça de ponte firme o suficiente até que os reforços chegassem.

Agora imagine que uma empresa pretende entrar em um novo mercado. Guardadas as devidas proporções e respeitando as particularidades de cada segmento de mercado, provavelmente terá que lidar com muitos dos mesmos problemas que os generais tiveram no Dia D.

Já vi grandes projetos promissores “afundarem” por falta de um bom planejamento, porque algo foi negligenciado e quando as ações aconteceram não tiveram o resultado esperado. Entre os benefícios da cultura militar nas organizações, e que geralmente é pouco explorado para se fazer o planejamento, está a parte de Inteligência.

Quantas empresas você conhece que se preocupam de verdade com o Business Inteligence? Organizações que procuram obter dados confiáveis para pensar antes de agir? Quantas tem uma área específica para analisar as informações, que podem ser oriundas desde pesquisas de mercado até softwares avançados de Big Data?

Para o militar não há espaço ao amadorismo… e isso se reflete em modernos sistemas de inteligência para auxiliar no planejamento e tomadas de decisões pelo alto escalão. Enquanto muitas empresas ainda se rendem ao “achismo” de seu board, empresas que aplicam os conceitos militares buscam se cercar de dados e usá-los no seu planejamento.

A CONTINUIDADE DA CULTURA MILITAR NAS ORGANIZAÇÕES

Ao difundir os conceitos militares nas organizações, o War Business toca em um assunto delicado porém muito importante para o sucesso: a gestão correta das pessoas.

Para os militares, cada combatente deve ser um especialista em sua área de atuação, de modo que possa exercer suas tarefas de forma clara e concisa. Por isso, do mesmo modo que uma empresa possui vários departamentos encarregados de executar suas tarefas, nas Forças Armadas temos áreas que cuidam de tarefas diferentes mas que se complementam na hora dos combates.

Do mesmo modo que temos uma hierarquia a ser seguida nas Forças Armadas, também as organizações possuem uma hierarquia própria, que se adapta ao porte de cada empresa. Isso é necessário para que a divisão de tarefas, assim como o direcionamento da empresa, seja definida entre seus membros de forma eficiente. Não podem haver vários comandantes e poucos comandados, pois assim se quebra a cadeia de comando, uma vez que haverá caos na execução das tarefas.

No mundo militar é fundamental que a meritocracia seja a forma mais usada para a gestão de pessoas, porque proporciona uma forma justa de avaliação das habilidades, qualidades e conhecimento técnico/operacional que cada combatente possui.

Dessa forma, quando uma organização civil adota os conceitos militares, também deve adotar a meritocracia como forma de gestão, promovendo a quem tenha reais condições de assumir novas responsabilidades porque se preparou para isso. E essa gestão também foca muito no preparo do combatente, proporcionando à ele condições adequadas para executar suas tarefas, através de recursos físicos e treinamentos intensivos.

No caso dos militares, existe uma máxima que prega que para se sobreviver a um combate, prepare-se para morrer. Ou seja, o planejamento deve prever todas as opções em que o inimigo possa atacar ou contra-atacar e, dessa forma, o plano de ação será traçado levando em conta as formas de se proceder no ataque e como se proteger em caso de uma emboscada. Um combatente bem preparado saberá usar os recursos que tiver em mãos, principalmente os combatentes das tropas de elite, que são treinados para se adaptar às diversas situações de luta em terra, no ar e no mar.

A meritocracia militar vai mais além, ao focar muito no treinamento pelos especialistas. Mas quem são esses especialistas? Normalmente a formação de um profissional e de um militar se distancia por meio da forma de se obter o conhecimento necessário. Enquanto os profissionais cursam faculdades para sua formação acadêmica, em que salvo raros casos como a Medicina e a Odontologia por exemplo se faz necessária a parte prática, os militares aprendem suas funções muitas vezes mais com o uso de treinamentos práticos.

Nesse caso temos que evidenciar o papel dos instrutores civis X militares, porque um instrutor mal formado academicamente pode refletir em uma formação de baixa qualidade e, consequentemente, profissionais com deficiências de conhecimento e performance.

Já ao instrutor militar não há essa possibilidade de má formação, pois para chegar ao posto de instrutor ele teve que performar muito bem em sua especialidade. A preocupação com o nível de instrução é muito alta no ambiente militar, uma vez que para uma falha pode não haver uma segunda chance. Imagine uma instrução prática sobre o uso de granadas, em que há a chance real dela explodir… você confiaria sua vida a um instrutor que tem pouca prática ou a quem viveu várias experiências reais de combate?

Transporte essa situação para o ambiente empresarial, para uma equipe de vendas por exemplo. Caso a pessoa encarregada de fazer o contato com os clientes não tenha sido bem treinada, corre-se um risco grave de se perder um cliente para uma empresa “inimiga”. Multiplique esse problema por mil e terá um grande prejuízo!

Para os militares é um procedimento normal então, que os combatentes mais experientes sejam retirados do campo de batalha e sejam alçados para funções de treinamento, para que possam ser formadores de novos soldados e transmitir sua experiência aos inexperientes, uma vez que essa experiência prática é muito rica.

Os conceitos militares de gestão são a base da administração moderna.

E aqui temos um outro paradoxo entre o ambiente corporativo e os conceitos militares de gestão de pessoas. Enquanto para os militares os mais experientes são respeitados, promovidos e até ganham medalhas em reconhecimento ao papel em combate que desenvolveram, as empresas relevam seus colaboradores mais experientes ao ostracismo, demitem quem tem mais tempo de casa e consequentemente um salário maior (mesmo que sejam devidamente atualizados em novas tecnologias), não contratam pessoas com mais de 45 anos, enfim, perdem um grande capital intelectual para uma miopia administrativa que não sabe lidar com esses veteranos de guerra.

Já imaginou enviar para o campo de batalha combatentes que mal sabem destravar sua arma para atirar? É essa a dura realidade de várias empresas, que adotaram uma gestão de “juniorização” em cargos estratégicos e agora estão sofrendo com tiros certeiros dados por um inimigo menor que, em vários casos, pode estar usando um ex-colaborador da própria empresa, hoje lutando por outra bandeira que tenha lhe dado o devido valor.

Bem, os benefícios da cultura militar nas organizações são muitos, e para isso é preciso que os gestores tenham atitudes típicas das tropas de elite: atitude, determinação e força.

Atitude em fazer uma autoanálise da empresa, entender qual a real situação e como mudar a cultura da empresa com determinação e muita força de vontade.

Até o próximo artigo. Um abraço!

Sérgio de Souza Carvalho Jr. – Comandante e apresentador War Business

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